sábado, 19 de junho de 2010

A Alma Não Paga Passagem

Por Ramão Rodrigues Aguilar

O Caçador de Moedas, homem de vigor físico e de largas andanças, no território missioneiro, mais precisamente entre São Borja e Santo Antonio das Missões, em busca de “enterros” (tesouros enterrados), fascinado por metais de valor, principalmente o ouro e a prata, andava com os dedos da mão tapados de anéis. Conta que em suas buscas persistente teria tirado dois tesouros, um deles no município de Santo Antonio das Missões e outro no interior de São Borja. Filho desse Pago Santo de São Borja cria lá das bandas de São Miguel. Vindo para cidade foi vizinhar com as almas do outro mundo, ou seja, ao lado do Cemitério do Passo.
Quando o conheci já era homem feito e com família. Era guri, morava na antiga Granja São Vicente, do finado meu avô Geraldo Rodrigues, com o inventário pela morte da minha avó Madalena Fernandes Rodrigues, meus pais receberam um corte de chácara, que ia desde a Rua Patrício Petit-Jean até o Rio Uruguai, daí vimos morar frente para a referida Rua, mudamos do fundo de campo para frente, nas proximidades da Fábrica de Linhaça Saragossa, cruzada obrigatório do O Caçador de Moedas, com seu passo curto e rápido, rasgava as distâncias da sua casa até a faixa, donde podia pegar o ônibus Passo-Centro.
O Caçador de Moedas, sempre tinha uma moeda antiga para negociar e uma reserva de ouro para ser transformado em jóia (alianças, anéis, fivelas de cintos...), pois além dos “enterros” ele garimpava no lixo do cemitério novas moedas e coroas de dentes para a “ourivesaria”. Certa feita estacionou em frente de casa um baita carrão e na direção um comprador de moedas para colecionar pedindo informação a respeito de um vendedor de moeda antiga. Depois fiquei sabendo, que este comprador, tratava-se de um advogado e pecuarista, de família tradicional de São Borja. Eu me ofereci para levá-lo até O Caçador de Moedas, nem esperei a resposta e saltei pra dentro daquela Esplanada vermelho e branco, que não sei a marca, e lá fomos nós. Apesar de fazer bastante tempo ainda não esqueci daquele final de tarde, já estava escuro. O homem trouxe suas moedas num saquinho de tecido de algodão e com o auxilia de uma lanterna o colecionador escolheu algumas... Comprou e retornamos. Ele me deixou em casa e seguiu adiante. Seu retorno se repetira poucas vezes, mas nunca deixou de me levar.
Nos cemitérios são comuns, depois de um determinado tempo e a necessidade do sepultamento de um novo defunto, os funcionários retirarem os restos mortais do túmulo e colocarem num saco, que fica guardado no mesmo local donde saiu, o caixão velho é retirado e vai para o lixo nos fundos do cemitério e de tempo em tempo era queimado. Meus pais contavam que as pessoas antigas colocavam moeda junto ao defunto no caixão, era para o finado pagar a passagem para o céu. Creio eu, que com o tempo viram que se tratava de um gasto desnecessário, pois ficando, na sepultura, os restos mortais e as moedas, certamente a alma não paga passagem para o céu ou para o inferno. E, com isso O Caçador de Moedas ia se defendendo, até que ela a implacável e temida morte, também, o levou para a sepultura com seus sonhos imagináveis de tesouros a reluzir numa talha de barro quebrada, com seus metais: dobrões, patacões, libras esterlinas e Bolivianas, tudo ali ao alcance dos olhos, das mãos e da morte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário